Artigo publicado no Jornal do Brasil
Acredito na mobilização da sociedade civil como fator primordial para a promoção de mudanças. Cheguei a apresentar um artigo no exterior sobre o tema, intitulado “When civil society changes the world”, tratando da importância dos atores não governamentais na implementação de novas pautas para a governança. A questão é simples: a delegação de representatividade é feita durante as eleições mas certas vezes – ou quase sempre – é interessante re-lembrar aos eleitos o que esperávamos quando demos o nosso voto.
Tal mobilização pode ocorrer de várias formas passando da organização de grupos de interesse – como ONGs, think tanks, sindicatos, associações ou partidos políticos – até a mobilização de passeatas ou movimentos coletivos em mídias sociais.
Em ambos os casos, no entanto, o índice de sucesso é baixíssimo.
Façamos uma breve análise sobre os grupos de interesse. Quanto já se ouviu e ainda se ouve do uso de ONGs para lavagem de dinheiro público? Quantos nomes diferentes vocês já viram circular pela internet ou nos jornais uma vez ou outra e nunca mais tiveram notícia? O número de organizações que surgem motivadas a promover alguma mudança – mesmo que seja no próprio bolso de seus idealizadores – é absurda e chega a ser alvo de restrição regulatória em países como a Austrália.
Por outro lado, o sucesso das poucas que se destacam é notório e compensa a existência do setor. Foi a Human Rights Watch quem fez a diferença no Norte da África enquanto a Amnesty International conseguiu a liberação dos presos políticos cubanos. Tudo isso enquanto chefes de Estado brigavam entre si e nada conseguiam…
Em termos de mobilização popular, quem não sente arrepios ao lembrar das “Diretas já!” ou do “Fora Collor!”? Puxando para os dias de hoje, quem esperava ver manifestações tão volumosas na Espanha e na Inglaterra?
O poder de uma idéia bem difundida é tão forte quanto qualquer processo eleitoral e diferencia claramente o potencial das democracias em relação aos regimes onde há restrições na liberdade de expressão.
Aliás, com a Primavera Árabe, até as ditaduras tem se sentido ameaçadas…
Na Bielorrússia, por exemplo, o presidente – e proto-ditador – passa maus bocados ao tentar se manter no poder. Ao ver manifestações consecutivas, proibiu que falassem mal do governo. A resposta foi imediata: manifestantes passavam a se reunir de forma criativa promovendo, entre outros, toques coletivos de celular.
O governo, temeroso, proibiu que grupos maiores de cinco pessoas andassem juntos e redobrou seu cuidado com as mídias sociais. Vale acompanhar qual será a próxima reação dos indignados.
Aqui no Brasil, no entanto, as mobilizações continuam pequenas e tem levado às ruas números não superiores a 30 mil pessoas. A jornalista Dora Kramer, em artigo ao jornal Estado de São Paulo, justifica o fracasso parcial com a falta de um organizador institucional.
Discordo. Vamos ao exemplo egípcio: a indignação contra o governo era geral. Oposição, grupos não-governamentais e cidadãos sentiam os reflexos da falta de liberdade de expressão, mas foi um jovem anônimo que, através de um evento criado no Facebook, conseguiu mobilizar a população contra o governo.
Criou o evento, convidou seus amigos e acabou parando em diversos blogs de ativistas locais. A idéia, que já era um senso comum, ganhou adeptos e se transformou em uma manifestação que, devido à repressão do governo, foi veiculada por todas as partes dando notoriedade ao fato. A partir daí o caminho estava criado para a realização de mais e mais manifestações, garantindo o apoio de todos os grupos de oposição – partidários ou não – e, logo então, das organizações internacionais.
Na Espanha, a geração foi ainda mais natural, sendo iniciada por um evento no Facebook que, sem se fazer notar, levou milhares às praças das principais cidades do país. A multiplicação do número de participantes, no entanto, não se deu inicialmente pela mídia mas sim pelo Twitter, onde jovens multiplicavam o que acontecia e chamavam ainda mais participantes para os grandes centros. O tema? A indignação coletiva, sem especificações: cada um protestava contra o que quisesse.
Há quem diga, sobre caso espanhol, que houve sim um organizador: o grupo radical Democracia Real Ya, que acabou se identificando como autor das mobilizações logo depois de seu sucesso. Desafio, então, que apontem os membros e o projeto estratégico que levou às ruas tanta gente. Oportunistas existirão sempre, mas nenhum se sustenta na ausência de provas.
Voltando para o caso brasileiro, percebemos que o ponto de partida foi dado com a criação dos eventos no Facebook. E daí já se gera o primeiro problema: cada um, na intenção de ser mais popular que o outro, resolveu criar seu próprio evento. Dividiram o público e nenhum ficou tão popular.
O segundo erro: proibiram a participação de partidos políticos. Ora essa! Se existem partidos contra a corrupção, por que seus filiados não podem se expor? O crime passara a ser não o abuso do poder mas a participação política. E se de cara os participantes já repelem quem é politicamente ativo, não é de se esperar grande sucesso.
O terceiro: a falta de criatividade. Não é de se esperar que um milhão de jovens levante às oito horas da manhã em um feriado para dizer não à corrupção em uma marcha monocromática. Espera-se, por outro lado, que eles estejam aos montes à tarde em um festival de rock para se divertir, cada um ao seu jeito. Por que não fazer dos dois um só? Por que não mobilizar de uma forma divertida, engraçada, para um horário e local onde já exista propensão a ir? Ou, por exemplo, você acredita que recentemente jovens se reuniram nas ruas dos Estados Unidos apenas para comemorar o assassinato de Osama Bin Laden? Não! Foram para comemorar, sim, mas também para se divertir, ver gente, socializar.
E para isso, necessita-se de criatividade e de um empenho maior nas redes sociais também durante os eventos e não só em suas pré-convocatórias.
Por fim, falta credibilidade. O projeto Ficha Limpa deu certo por que os atores não-governamentais se aproveitaram da mobilização popular e deram a ele, por meio da conquista dos meios de comunicação, um tom que fazia a todos crer que aquilo era realmente possível mesmo indo contra todos os caciques políticos do país. Cito, neste ponto, a própria jornalista Dora Kramer como exemplo. Falou da importância da mobilização, criticou seu fracasso e afirmou ser necessário que se façam novas e novas manifestações do tipo. Mas… Será que ela mesma participou? Duvido. E, além da imprensa como pessoa física e não jurídica, os demais grupos de interesse? Será que estavam por lá? Também não os vi.
A mobilização da sociedade civil acontecesse sim – e também – de forma espontânea mas, uma vez iniciada, passa a demandar atores mais ativos e menos sectarismo para tomar expressão. Acredito no amadurecimento progressivo dos ativistas e na viabilidade de se constituir novas manifestações que façam a diferença tanto quanto fizeram as “Diretas já!”, o “Fora Collor!” e o projeto Ficha Limpa.
O tema? Pode ser a própria marcha contra a corrupção. Mas sugiro algo mais concreto: o fim do voto obrigatório. O projeto já foi proposto…
João Victor Guedes é Vice-Presidente Nacional da Juventude Democratas
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